sexta-feira, agosto 31, 2007

O Arquivista II

“As cidades obscuras – Relatório sobre um curioso caso de superstição. Por Isidore Louis. Investigador do instituto central de arquivos. Subsecção de mitos e lendas”. É assim que se inicia o relatório do arquivista. Ele terá de analisar certos documentos arquivados com o fim de completar a reclassificação dos mesmos. E estes documentos relativos às cidades obscuras são documentos místicos cuja data de criação não é recente. Tal como ele próprio afirma mais à frente: “Era visível que a mistificação não datava de ontem” (p.8).

O título da investigação de Isidore – “As cidades obscuras” – remete-nos para algo que se passa à margem da normalidade - “Devo confessar que eu próprio tinha uma ideia algo confusa daquilo que esses termos poderiam envolver, e não me parecia que as pesquisas que então iniciava fossem diferentes das dos meus trabalhos anteriores”(p.8). Mas, ao contrário do esperado, logo à partida a anormalidade da situação diferencia-a das restantes e constitui um motivo suficientemente forte para que nos entreguemos à leitura do relatório de Isidore. Tal como o arquivista, nós próprios somos presas de algo interessantemente novo e inesperado.

Isidore “desenterra peças” de dentro dos documentos que analisa abrindo-nos a um imaginário totalmente desconhecido do público geral sobre o que pode constituir o trabalho de um mero arquivista. Neste aspecto vemos a coincidência entre o imaginário e a realidade, pois entre o sonho de uma profissão e o seu quotidiano, sabemos vai um passo. Mas Isidore encontra a sua realização profissional fazendo coincidir ambos os planos numa só dimensão.

As “peças” que Isidore desenterra são documentos “apócrifos” que “não se distinguem, à primeira vista dos restantes”(p.8). É curioso o conceito de documento apócrifo aqui utilizado, pois se pode tratar-se de um documento sem autenticidade, cujo autor, ou lugar, ou data, não é verdadeiro, igualmente se refere aos escritos que se dizem inspirados por Deus, mas não incluídos no cânone bíblico por serem de autenticidade suspeita. Portanto, estamos aqui perante uma duplicidade quanto à verdadeira identidade dos documentos que Isidore Louis analisa – documentos (textos e imagens de técnica invulgar) de autoria incógnita; documentos que poderão estar directamente relacionados com o mundo divino, supra-natural. Somos assim introduzidos ao tema que se nos revela como fracção de um puzzle meio divino, meio surrealista, que a pouco e pouco vamos montando.

1 comentário:

Anónimo disse...

Aprendi muito