No século XIX e inícios do século XX o anticlericalismo encontrou a sua expressão máxima nas diversas manifestações populares e intelectuais que tomaram parte na Europa essencialmente contra a igreja católica. A separação dos poderes entre a Igreja e o Estado foi disso mesmo um exemplo que não deixa dúvidas acerca das intenções de laicização da sociedade que os novos poderes pretendiam instituir. Se antes o eixo da vida se centrava na fé num deus, durante este processo de descrença religiosa do homem ocidental as atenções viraram-se concomitantemente para uma ciência marcada pelo positivismo científico e para a esperança num sistema económico liberal. A primeira, prometia a cura de todos os males e um homem totalmente saudável num mundo onde a ciência e a tecnologia simbolizavam o próprio progresso civilizacional; A segunda professava o direito natural que todos os indivíduos possuem de conquistar riqueza material. Assim sendo, a fé mudou de eixo paradigmático, deixando de se centrar no além para se fixar na melhoria das condições da própria vida terrena. Esta mudança de mentalidade acompanhou os diversos domínios da sociedade e a ida ao confessionário religioso, foi progressivamente substituída pela ida ao‘confessionário laico’. Na verdade as competências do psicólogo moderno roçam as do antigo padre católico. Deste modo não se pode ver neste processo uma verdadeira dicotomia, mas mais uma continuidade que, apesar de impulsionada pela nova mentalidade laica, vai beber o seu verdadeiro fundamento aos costumes antigos, possuindo ainda muito das velhas estruturas de pensamento que fundam a nossa Era e que chegaram quase intactas até aos nossos dias. Senão vejamos a semelhança entre a moral cristã e a psicologia contemporânea: apesar de todo este positivismo científico que quase toca as franjas do método experimental, o ‘psicológico’ assumiu nos tempos que correm, em cada um de nós, uma espécie de categoria mágico-religiosa com poderes inimagináveis capazes de transpor todo o tipo de barreiras, sejam elas de ordem social (como a falta de emprego que se ultrapassa através de uma atitude “pró-activa”); sejam elas de ordem da saúde individual e física como por exemplo as doenças genéticas ou os próprios vírus. É a “força” psicológica que o indivíduo possui que supostamente pode combater os problemas que lhe surgem ou mesmo impedi-lo de ser assolado por eles. Esta forma de pensamento assemelha-se em tudo à crença nos milagres concedidos pelas entidades beatificadas da cristandade, como sejam os santos ou pelo próprio Cristo. Só que o milagre já não se centra no exterior do indivíduo mas concentra-se no seu interior, consumindo-o de desejo por essa capacidade absoluta de domínio sobre si e controle da sua própria vida. E contudo, esta auto-afirmação do sujeito psicológico com poderes superiores que o tornam uma espécie de entidade transcendente à sociedade e às dificuldades da vida inerente a ela, será o último resquício de poder que o sujeito assume face às ameaças exteriores depois de ter sido desapropriado de toda a autonomia no mundo. Um último grito ilusório de auto-afirmação; uma prova dada de que ainda respira e é dono de si próprio.
Não será verdade que, o cristianismo aconselha o homem a dar a outra face ao seu inimigo, e que simultaneamente é recorrente a psicologia contemporânea procurar a todo o custo a adaptação do indivíduo ao meio? Ora quando o sujeito se adapta a um meio que lhe é hostil que se poderá dizer senão que essa forma de comportamento exige submissão? O mesmo género de submissão que o cristianismo exige aos seus crentes. Uma submissão que será igualmente do mesmo tipo daquela que um povo oprimido tem pelo seu líder déspota em troca de favores de protecção. Uma submissão que esconde a verdadeira natureza do homem ocidental e que o amordaça nas teias da cobardia. Uma submissão estrutural que o contamina desde há séculos e que na realidade em nada lhe pertence. Porque na verdade o cristianismo é-nos alógeno e não é conhecido que os povos pré cristãos na Europa fossem submissos. Eram povos guerreiros que conquistavam todos os dias, o seu direito aos territórios que ocupavam. A história pré-cristã europeia é uma história acompanhada por lendas de heróis e de Deuses guerreiros e não de mártires submissos e cobardes.
O medo sempre existiu. Mas sempre existiu também a sua contraposição, a coragem. A corrupção da coragem foi a consequência mais arrasante e destruidora que esta estrutura mental própria do cristianismo nos impôs dia após dia, ano após ano, século após século. Ela é o facto mais aterrorizador que alguma vez assolou uma civilização. Porque ela impede a mudança que se sonha dentro de nós e subjuga-nos a uma vida que não é nossa; tolhe-nos os sonhos e transforma-os em pesadelos; retira-nos todas as armas com que fomos dotados pelos nossos antepassados; transforma-nos em seres rastejantes dentro da nossa própria consciência; deixa-nos à mercê do inimigo; e faz-nos ver a sua imagem quando nos vemos ao espelho. O pecado e o medo do demónio existem para nos controlar e manter-nos dentro das marcas de submissão que um deus alógeno inventou para facilitar a execução dos seus planos em se tornar um deus único e universal. Um deus que não admite a ideia de existirem outros deuses diferentes de si. Um deus que se quer impor juntamente com o seu mundo globalizado e globalizante onde todos os povos serão um só produto híbrido genético e cultural. Nada lhe escapa – o indivíduo, a sociedade, o mundo. E nos dias que correm é ele o responsável por um etno-masoquismo europeu que instalou a culpa pelo nosso passado. Não se contentando em assassinar os nossos deuses autênticos; não se contentando em destruir os nossos heróis; ainda exige que nos envergonhemos deles, como se eles não tivessem sido aqueles que inspiraram os nossos antepassados nas lutas que combateram para se manterem vivos e nos deixarem o legado que foi o seu território, a sua história e o seu sangue, geração após geração até desembocar em nós, e só por isso estarmos aqui; e só por isso sermos nós; e só por isso estarmos vivos.