domingo, julho 29, 2007

A Espiritualidade Ocidental

Se as conversas são como as cerejas, as ideias não lhes ficam atrás. A ideia referida no ultimo post da Biblioteca de Alexandria – O arquivista I, que supõe que mitos e lendas ficam marcados nas estruturas arquitectónicas das cidades (mortas e vivas) lançou-me num novo texto. Trata-se disso mesmo – da forma como o aspecto religioso e espiritual marca a materialidade, ainda que esta tantas vezes se escude atrás do puro materialismo, positivismo, cientismo, e outros ismos cuja fundamental função é retirar à carne o espírito, e fazer com que o barro se articule sem o sopro divino.

Ora, a sociedade ocidental é erradamente, e muitas vezes, conotada com esta materialidade desenfreada. Na verdade este materialismo é recente, e ligado à primeira revolução industrial iniciada no século XVIII em Inglaterra. A sociedade ocidental sempre teve a sua espiritualidade extremamente desenvolvida. Abundam em arquivos e bibliografia os mitos, as lendas, os contos populares das sociedades tradicionais do ocidente, embora estas estejam politicamente condenadas a desaparecer. O que quero dizer é que essas histórias e lendas, começam a deixar de ser transmitidas de geração em geração, por motivos que se ligam menos às crenças e vontades das pessoas do que à política dos governos que gerem a demografia, a economia, e a cultura do país em questão. Por exemplo, é sabido que os movimentos migratórios estão a desertificar o interior de Portugal. Ora não há cultura que resista num local onde as pessoas já lá não estão, onde os filhos estão num país, os avós noutro, os netos só conhecem o país de origem dos pais como o local de férias, e os bisnetos nunca saberão falar a língua original dos seus bisavós. Estamos a falar de um período de 100 anos no máximo. Em 100 anos nesta situação imaginem-se os valores (culturais e outros) que não se perdem. Agora imagine-se o que sucede em 300 anos. Mas não era sobre as consequências nefastas da emigração que queria falar, nem tão pouco da imigração que esse é um problema mais actuante nos grandes centros urbanos e que ataca de outro modo. O que pretendo falar é mesmo sobre a espiritualidade que o ocidente sempre teve e que continua a possuir. As marcas na materialidade ocidental da sua espiritualidade tão mal amada pelo poder. Este é o tema.

É certo: existe espiritualidade envergonhada no ocidente. As pessoas falam baixinho quando falam da sua religião (a não ser que pertençam à religião oficial do “reino”), têm medo de ser mal compreendidas quando falam de temas espirituais. É um facto. Tal como falam baixinho se algo as coloca no rol daqueles que não pertencem à maioria (as minorias são mal vistas. São criticadas, são silenciadas, são desmobilizadas, são esquecidas, são incomodas, são insubmissas e subversivas à democracia enquanto ditadura das maiorias e por isso quando são permitidas, são pelo menos mal toleradas pela “gerência”). A espiritualidade do ocidente continua a expressar-se como algo de que ele não consegue livrar-se apesar de todas as investidas politicas (vivemos num sistema de república laica) para que ela acabe de vez.

Nunca foram criados tantos mitos como na actualidade. Cada bem de consumo possui de valor mensagens codificadas que não são mais do que mitos veiculados pela publicidade e que o consumidor vai inconscientemente ritualizar ao adquiri-lo. Claro que este encantamento perde toda a magia quando o consumidor usa o bem pela primeira vez e denota inconscientemente que não atingiu o objectivo que estava patente na publicidade. E aí o bem perde o seu valor mítico para ser apenas um bem material para determinado uso, muitas vezes abandonado a um canto. É assim, aliás, que se faz aqui tanto lixo. Num outro plano, podemos ver que esta espiritualidade é no fundo um aproveitamento do materialismo para conseguir sobreviver. Quer dizer: a sociedade materialista de que fazemos parte, só sobrevive porque faz um aproveitamento parasitário da necessidade de espiritualidade do indivíduo – retirando-lhe a verdadeira espiritualidade fundada nos seus ancestrais e na sua cultura tradicional, acaba por criar o vazio espiritual necessário para preencher com os bens míticos de consumo que lhe pretende vender a troco de dinheiro ganho com a sua exploração laboral. Assim a espiritualidade não só não abandonou as sociedades ocidentais, como é ela que ingenuamente mantém e sustenta os seus regimes pseudo-democráticos e capitalistas.

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