domingo, março 16, 2008

Entrevista - Choque de ignorâncias

Fala uma das ignorâncias a respeito da outra, isto já lá em 2006, mas podia muito bem ser hoje.

Quando apareceu esta moda do esclarecimento que ilumina apenas alguns pensei que se tratava apenas disso mesmo, de uma moda, mas com o passar do tempo, algumas coisas saltam à vista. Como se vê nesta entrevista, trata-se de um estratagema ardiloso para fundamentar um hipotético conhecimento de causa do qual a maioria é desconhecedora, ora sendo mais de um quinto da população mundial muçulmana, é muito difícil que a maior parte das pessoas nunca tenham tido contactos directos com o islão, tal como é difícil encontrar gente que nunca se tenha cruzado com um chinês. Isto sem considerar o facto de que o islão é muito, ou foi até agora, mais expansivo do que este povo do oriente.
Esta moda começou por uma elite intelectualizada, mas logo se pegou aos papagaios que gostam de ficar bem, basta ler um indice sobre qualquer coisa na Wikipédia, decorar os termos técnicos, e logo se está habilitado pela santa ordem da luz do esclarecimento eterno e omnisapiente a chamar os outros de ignorantes, mesmo que não se saiba mais nada do que três termos dos quais se desconhece o conceito em profundidade. Há uns anos gozava-se com quem usava óculos para parecer mais inteligente, com a massificação das lentes de contacto isso desapareceu, mas outras modas como esta vieram ocupar o seu lugar.

Uma citação da entrevista.

"– Por que se ofenderam assim os muçulmanos?

– A caricatura do profeta Maomé que foi feita de uma maneira moderna porque naquele tempo não havia bombas. De facto, apesar de Maomé ter sido um guerreiro, não tem nada a ver com a situação presente, num momento em que tem havido ataques em particular dos Estados Unidos e de Israel a alguns países muçulmanos. Naturalmente que houve uma reacção excessiva em relação a um jornal cujo objectivo não era certamente ofender muçulmanos. Há de facto em tudo isto uma reacção também política."

Muita astucia na argumentação de trazer por casa que cala a boca a quem é esclarecido, mas no caso de um ignorante, pode provocar uma resposta do tipo: "Em que é que isso responde à pergunta?" Lembra-me o caso daquele agricultor alentejano nas alturas do PREC, que apesar de lhe explicarem os fundamentos do comunismo, não conseguia perceber como é que ia sachar as batatas se a enxada tinha de ficar nas instalações da cooperativa.

E outra

"
Alcácer Quibir os cristãos foram bem tratados quando ficaram prisioneiros."

Mais uma vez com a parcialidade se enganam "esclarecidos", então D. Afonso Henriques também não tratou bem os muçulmanos ao conquistar Lisboa, que dizer dos escravos europeus levados por muçulmanos durante as invasões. Os cristãos eram maus pois eram, mas os muçulmanos não são melhores.

Ora mas este senhor estudou tanto, é difícil não saber estas coisas.

Tudo isto devido à exposição da Gulbenkian: Mil anos de Esplendor do Islão na Gulbenkian, ena a Gulbenkian é mesmo velha :D, é que deve ter sido o único sitio onde se viu esse "esplendor".

Ora depois de tanto texto sobre papel bonito e caligrafias arabescas antigas, modernas, perdidas, enfim nada de interesse, papel carcomido, não se falou da mulher no islão, da liberdade, essas sim coisas esplendorosas. Quanto à exposição não a vou ver, quem for que diga de sua justiça.

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