quarta-feira, outubro 31, 2007

Coisas engraçadas

quinta-feira, outubro 25, 2007

Novilingua ou a decadência da sociedade?

Chamou-me à atenção este assunto ao tomar consciência num noticiário televisivo, da pobreza, tanto de vocabulário como das construções morfológicas, das frases com que os jornalistas nos apresentam diariamente os acontecimentos que vão no mundo. A linguagem coloquial parece ter desaparecido da nossa vida. E interrogo-me se terá sido sempre assim e isto é um mero efeito circunstancial; ou se, de facto, o resumo do vocabulário que se observa hoje em dia é mais do que um resultado sintomático de uma qualquer teoria da conspiração tecida pela ardil paranóia pública. Voltando aos tempos idos, basta pegar num texto vulgarmente conhecido para testarmos a primeira hipótese. As “Trovas” escritas no século XVI por Bandarra, consistem num texto literário e profético sobre os desígnios, quiçá espirituais, de Portugal. Bem sei que foram reescritas inúmeras vezes alterando-se vocabulário, além de que a edição de que disponho não será nem de perto nem de longe, a mais antiga. Mas de qualquer modo servirá de exemplo enunciar aqui alguns versos do texto que servirá para ilustrar o que digo. “Como nas Alcaçarias / Andam os couros ás voltas, / Assim vejo grandes revoltas / Agora nas Cleresias. / Porque usam de Simonias / E, adoram os dinheiros, / As igrejas pardieiros, / Os corporais por mais vias” (Gonçalo Annes Bandarra, As Profecias do Bandarra, Mem Martins, Novalis, 2001, p.11). O texto prossegue por várias páginas num tom que dizem os entendidos ser popular e de fraca qualidade literária. Não quero por em causa a questão da pobreza das trovas em termos literários. Mas é preciso pensar que o seu autor não passava de um sapateiro que tinha a sorte de ter aprendido a ler e a escrever. A ideia que temos desse tempo é que o povo era todo ignorante, de dentes podres e a cheirar mal. Que a sua instrução era nula e completamente desconhecedora dos conhecimentos das ciências e das humanidades. Ora, neste tempo, surgiu um sapateiro em Trancoso que sabia ler e escrever; e mais, escreveu um livro em língua portuguesa, dos mais lidos de sempre. Estranho este facto, deveras. Mas isso não será objecto neste momento. O que nos interessa aqui é esclarecer, não o ponto de vista do autor, mas o ponto de vista dos seus leitores ao longo da história. Como é que um povo pobre em vocabulário demonstra tal interesse na leitura de uma obra tão rica de vocabulário e ainda por cima de registo histórico? Sim, porque a pobreza literária das trovas não se relaciona com a riqueza do seu vocabulário, parece-me. Escolhi esta obra precisamente por isso. Não um Camões clássico de vocabulário rebuscado. Mas um simples Bandarra, pobre literariamente, para comparar com o vocabulário comummente utilizado na época actual. Comparamos assim pobreza com pobreza e já levando em conta as alterações linguísticas que a língua sofreu ao longo dos tempos. Outro autor, talvez menos polémico que poderemos chamar à cena é Gil Vicente. O dramaturgo do povo possuía, este sim, grande qualidade nos textos que escrevia. E no entanto era popular e parecia que todos entendiam o que os seus actores diziam, apesar do seu vocabulário indiscutivelmente rico. Era aplaudido pelo povo português que muito se ria dos comportamentos das suas personagens tipo construídas de forma quase anedótica. Quererá isto dizer alguma coisa? Em primeiro lugar, talvez que de facto a língua portuguesa esteja a sofrer uma contracção no seu vocabulário e na composição da sua estrutura sintagmática. Em segundo lugar, que essa teoria, pode ser relacionada com fenómenos do tipo politico, social e cultural, mas também económico, religioso, etc., aquilo que Marcel Mauss designou por facto social total.

George Orwell em “1984” descreveu um mundo onde a ditadura do pensamento único e do pensar-crime imperavam, liderados por uma redução drástica do vocabulário dos habitantes. Uma das personagens é mesmo profissionalmente especializada na criação de um dicionário que reduzisse as palavras ao mínimo indispensável, com o fim de evitar pensamentos “supérfluos”, perigosos para o bom funcionamento de tal sociedade. Não iremos tão longe nas nossas especulações. Deixamos isso no entanto como hipótese de desenvolvimento futuro. Gostaria de enveredar por outro caminho mais naturalmente lógico. O do nascimento, desenvolvimento, e morte das sociedades. Tudo quando nasce é pequeno, tudo cresce e tudo se corrompe fisicamente pelo tempo até ao momento do seu desaparecimento material. As sociedades são uma espécie de criaturas vivas e temos conhecimento das grandes civilizações do mundo que assim lhes aconteceu também. Nasceram, cresceram, imperaram, dominaram, e envelheceram acabando por se definhar um dia. Quero crer que a língua acompanha este processo. Quando nasce é limitada a alguns termos. Cresce e desenvolve-se junto com o seu povo e um dia comprime-se e acaba por cair em desuso com a sua extinção. Portanto, a língua é um indicador excelente do estado de uma civilização. Quando é rica é porque as suas gentes estão em grande expansão; quando começa a ser pobre indica-nos a decrepitude cultural de uma sociedade que estará brevemente em vias de extinção.

Se a nossa riqueza liguística está a perder-se, a lição não deixa de ser deveras preocupante. Algo se passa. E ainda que muita gente de fora fale a mesma língua, não é isso que faz a sua riqueza e simultaneamente a preservação da existência do seu povo. Por vezes até poderá acontecer precisamente o contrario. Pois à corrupção de uma língua misturada com outras línguas corresponde uma perda de raízes culturais verdadeiramente genuínas e que, se por momentos ainda dão o ar da sua graça, não podem esperar pela actuação do tempo quando as verdadeiras identidades nele se perderem. É assim que olhamos para trás e não sabemos nada acerca de nós próprios. Ficarão os frutos e morrerão as árvores. Mas os frutos nada serão sem as árvores.

quinta-feira, outubro 18, 2007

A DROMOLOGIA, O AUTISMO E O PODER

A Dromologia, termo proveniente do grego “dromos”, é a ciência ou lógica da velocidade. Baseia-se no facto de que o acontecimento sofre alterações na sua própria estrutura dependendo da velocidade a que se dá.

As guerras actuais, a fome, a morte escandalosa dos outros, já não nos afectam mais como antes dos meios de comunicação de massas nos manterem actualizadamente informados, principalmente pelas imagens à velocidade da luz, de tais factos. O acontecimento deixou de produzir em nós o efeito de choque e de surpresa que produzia outrora. Vivemos na sociedade do tédio e contudo nunca antes a sociedade foi tão cheia de acontecimentos. A nossa sociedade existe à escala global, onde permanentemente somos informados de tudo o que de supostamente relevante se passa em qualquer coordenada geográfica do globo terrestre. Mas esta velocidade e quantidade a que a informação chega até nós vacinam-nos contra a própria essência do conceito “acontecimento”. Ele mesmo deixou de o ser à partida porque se encontra desvirtualizado da sua própria definição.

Neste jogo de velocidade a que o facto acontece, gera-se uma hierarquia de poderes. Segundo Paul Virillo (Speed and Politics: An Essay on Dromology. New York: Semiotext(e), 1977 [1986]) o que se move rapidamente ganha poder sobre o que se move lentamente. A Posse, o poder, diz mais respeito a questões de controle de circulação e movimento, do que de contratos e escrituras. Quem se move rapidamente adquire o poder. Pelo contrário quem está parado, perde-o. E quem domina a velocidade igualmente, adquire o poder e vice-versa. Esta é a grande explicação para que os mass-media detenham o poder que detém actualmente. Eles dominam o poder de transmitir o “acontecimento” à velocidade da luz.

Mas isto não se passa sem o efeito perverso apontado anteriormente – o efeito da velocidade ser tão grande que faz com que o próprio objecto perca o seu impacto, e consequentemente a sua importância na sociedade. Dá-se assim lugar a uma nova hierarquia de importância de acontecimentos baseados numa nova escala de valores morais. Porque estando o acontecimento distante do espectador, este não é afectado de modo directo pelo primeiro. A vida humana singular, alvo da maior importância no passado, perde valor em proveito de factos muitas vezes despersonalizados de conteúdo mais ou menos pertinente para a sociedade em geral. Mesmo quando a vida humana está em questão, são normalmente as questões de coscuvilhice mesquinha que despertam a curiosidade do público. Tornamo-nos espectadores da morte e da desgraça alheia. E nisso, a única coisa que nos importa é saber o enredo do caso, como se de um livro policial se tratasse, para comentar com o colega do lado no emprego. O aspecto catártico deste fenómeno não pode ser descurado. Emitimos as nossas opiniões sobre o caso, afirmamos os nossos juízos de valor, realizamos todas as nossas catarses, mas não nos preocupamos com o que verdadeiramente está em causa – o sofrimento alheio. Nada nos diz. Este actual autismo do espectador resulta portanto da rapidez, quantidade, e modo de informação que lhe chega diariamente. E esse autismo é simultaneamente a sua defesa para se tentar manter equilibrado. Face ao movimento rápido da sociedade, o homem actual não consegue processar emocionalmente toda a informação que lhe chega porque isso lhe traria o colapso nervoso. Necessita portanto de se manter afastado emocionalmente dos acontecimentos para manter o equilíbrio e prosseguir a sua vida normalmente. Esta serenidade e impavidez face à morte, à desgraça alheia, resulta numa dormência verdadeiramente autista e esquizofrénica, mas que é a solução psico-social encontrada pelos indivíduos para o problema. Assim se geram seres humanos passivos, completamente controláveis pelo poder instituído. E há que dizê-lo: existe um aproveitamento pelo poder deste estado de letargia social. É através dele que o próprio sistema político e económico se mantém sem grandes interferências da população vencida além do mais pelo cansaço de se manter equilibrada face à velocidade da História.

sábado, outubro 13, 2007

Mais uma das maravilhas da globalização

Por motivos que em grande parte se prendem com a alta de preços nos mercados internacionais, a factura de bens alimentares de primeira necessidade será mais pesada para os portugueses, tornando ainda mais difícil a vida dos agregados familiares com menos rendimentos.

Até Janeiro de 2008, o pão subirá cerca de 30%, disse ao Expresso Carlos Alberto Santos, presidente da Associação de Comércio e Indústria de Panificação, Pastelaria e Afins. Um acréscimo gradual, não drástico. Aquela previsão assenta no pressuposto de haver estabilidade nos mercados internacionais. Recorde-se que desde o início do ano o pão já aumentou 20% no preço de venda ao público.

Mas o pão não esgota o "stock" de aumentos. Outros bens - como leite e derivados, ovos, azeite ou carne de vaca - registarão subidas significativas. Nenhuma entidade contactada arrisca uma previsão, mas fontes da indústria agro-alimentar apontam para acréscimos entre os 5% e os 10%.

A escalada de preços das matérias-primas deve-se a factores externos (alterações climáticas, procura de biocombustíveis, aumento do consumo na China e na Índia). O aumento médio dos custos nos mercados internacionais dão a dimensão do fenómeno: cereais, 30% a 50% no último ano; milho e arroz, 50% em ano e meio; óleos vegetais, 25% em idêntico período.

Estas subidas apenas se repercutiram parcialmente no valor a pagar pelo consumidor. Mas o resto será uma questão de tempo.

sexta-feira, outubro 05, 2007

Não há correio

Hoje passei pelo site do Correio da Manhã e dei lá de caras com uma noticia de um rapaz que foi assassinado em Barcarena por quatro «jovens» quando se preparavam para assaltar um automóvel. Como a noticia tinha o intuito apenas de promover a venda do jornal em papel e havia mais texto nos comentários do que no artigo do jornal decidi participar, focando a questão que mais me tinha chamado a atenção, precisamente o facto do artigo se referir aos criminosos como jovens, apesar da vitima ser um jovem.

O comentário nada tinha de insultuoso, nem tão pouco nenhumas referencias xenófobas ou racistas, pelo menos implicitamente, já que do intuído sou suspeito para falar. Pretendia apenas referir que começa a tornar-se cómica toda esta sobre utilização do vocábulo "jovem" para definir os autores de crimes, maioritariamente e muito dificilmente comprovável para a opinião pública, originários de países fora do continente europeu. Relembro-me do caso dos romenos, do francês, do espanhol que foi apanhado para os lados da figueira da foz e de tantos criminosos europeus em que é dita explicitamente a nacionalidade. Quanto aos sul americanos já existem mais algumas reservas, mas nada que se compare ao tratamento dado aos indivíduos de etnias africanas. Claro que tentei ser o menos incisivo possível no meu comentário, pois já sabia que dificilmente passaria no filtro devido às normas impostas pela UE aos média há alguns meses atrás, que regulamentam que nestas situações devem ser usados termos do mesmo cariz para ocultar elementos que possam levar a que hajam reacções mais xenófobas numa sociedade, em que todos os esforços políticos são para uma formatação "híbrida", termo utilizado em comunicado da própria UE.

Não sei se realmente os indivíduos não são europeus, sei que me censuraram e não por violação de nenhuma norma da livre expressão. Pois se a moderação de comentários com carácter insultuoso faz sentido, para mim ela ultrapassa todas as marcas de um estado onde os cidadãos são livres, quando se começa a aplicar a opiniões de carácter ideológico que respeitam as leis democráticas.

Já tinha conhecimento de alguns casos destes nas caixas de comentários do correio da manhã, infelizmente não é caso único, e já merecia a atenção popular e algum tipo de observatório que identificasse a censura que existe em Portugal nos nossos dias. Se alguns se questionam quanto ao nosso "estado de direito" eu não tenho dúvidas nenhumas, apenas não é tão fanfarrão como outros no passado.

Por isto e para que a situação do André Coelho não se torne cada vez mais uma coisa do quotidiano de toda gente neste país, o blog do canto da cotovia vai tentar reunir situações de censura ideológica que vão aparecendo por aí.